José Cid
Quando a música nasce no coração (e num acordeão)
José Albano Cid de Ferreira Tavares nasce em 1942 na Chamusca. No coração do Ribatejo, entre touros, campos e tradições nasceu filho único de um família ligada à música clássica e ao ensino. José Cid cresceu entre partituras e os campos abertos do Ribatejo.
A sua infância não foi marcada por luxos, bem pelo contrário. José Cid fala sempre de uma infância humilde, tendo esta ideia um pouco de orgulho e ironia, sabendo que não precisou de berço de ouro para ser um dos maiores da sua geração e com uma longevidade.
Quarteto 1111: o embrião de uma revolução
Com 25 anos de idade, em 1967, José Cid fundou o Quarteto 1111. Este foi um dos primeiros grupos a experimentar o rock progressivo em Portugal. O grupo misturava o psicadelismo normal na época por grupos estrangeiros, com referências históricas, sons experimentais e letras que desafiavam o pensamento conservador. O tema “El Rei D Sebastião” com arranjos orquestrais marcou uma geração inteira.
Foi no Quateto 1111 onde Cid mostrou que a música portuguesa podia ser modernizada sem perder a sua alma, o que na época era bastante revolucionário. Desde esta altura entendeu-se que José Cid não era apenas um cantor, mas sim um criador , um provocador e um contador de histórias que não serviam apenas para entreter o povo mas sim para que este pudesse ficar inquietado com os seus temas.
A solo: entre Vénus e o coração
Mais tarde a solo, José Cid, mostrou outra das suas facetas. Mais pessoal e íntimo, mas nunca menos ousado. O disco “10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte” (1978) é uma das peças de culto do rock não só português mas mundial. Sim mundial. Lá por fora o disco é referenciado nos fóruns da especialidade como uma obra prima, uma viagem musical e conceptual que mistura a ficção científica, crítica social e a introspeção.
Enquanto muitos guarda memórias dessa aventura especial de Cid, muitos outros têm como principais referências as baladas românticas que marcaram eventos familiares como casamentos, separações, encontros e reencontros. E as baladas que José Cid criou entre 70 e 90, continuam a ser banda sonora da nossa vida.
Quem nunca ouviu de temas como “Como o Macaco Gosta de Banana?”, “Cabana Junto à Praia” ou “A Rosa que te dei”? E claro a eterna “20 anos”. São temas que fazem parte da mobília afectiva de Portugal. José Cid tem o dom de poder saltar de um género para o outro – do rock sinfónico para a música ligeira, sem nunca parecer deslocado. E o que liga estes estilos? A voz, a sua sua entrega e a paixão com que canta todos estes temas.
“Diverti-me sempre a cantar” — e isso nota-se
Há artistas que levam a música como uma profissão. Aquela actividade que custa levar da cama, mas isso não a ideia de José Cid. Para Cid a música é como uma missão. Em várias entrevistas anteriores, José Cid diz que continua a divertir-se com os concertos, já mesmo tendo passado os 80 anos de idade.
Basta assistir a um concerto de José Cid, para comprovar a sua diversão. Ele continua a divertir-se a cantar não só os clássicos como temas novos que continua a lançar. Continua a desafiar o ´público, a mandar piadas entre músicas, sendo que é difícil de sair de um concerto de José Cid indiferente.
E a diversão vai também para fora de palco, sendo um provocador nato, José Cid continua a demonstrar a sua opinião, mesmo que a mesma não vá de acordo com a opinião generalizada. E sim é polémico. Mas isso faz parte dele, não é defeito mas feitio.
Da pop ao fado, passando pelo rock progressivo
O que impressiona em José Cid, não é a sua idade, mas sim a sua longevidade de carreira com uma enorme versatilidades. E vejamos um pouco do que ele já cantou:
Rock Progressivo – Lançou discos conceptuais que podiam estar ao mesmo nível de Pink Floyd ou Genesis
Baladas Românticas – Sim músicas que ainda hoje passam em rádios como a M80 ou no Oceano Pacifico na RFM
Canções Populares – A música ligeira sempre foi um dos fortes do artista com temas como “Cai Neve em Nova Iorque”, “Ontem, Hoje e Amanhã” ou “No Dia em Que o Rei Fez Anos”
Fado e canções tradicionais – O facto de ser multifacetado já trabalhou por exemplo com vozes como Cuca Roseta
Jazz e música sinfónica – Também participou em projetos paralelos que muitos nunca ouviram, mas que merecem a redescoberta, ontem hoje e amanhã.
Um Grammy com sotaque português
Em 2019, a consagração internacional surge com o Grammy Latino de Excelência Musical. Foi o prémio carreira para um dos mais importantes músicos nacionais dos últimos 50 anos. A distinção rara mas merecida para um artista que por norma nadou contra a corrente.
José Cid não teve empresas multinacionais a impulsionarem a sua carreira, nem campanhas publicitárias que o levassem a estádios ou a tours internacionais. Teve talento, alguma teimosia, e algum ouvido para tudo o que se fazia cá dentro e lá fora.
Com orgulho e espanto, aceitou o prémio dizendo “Não estava à espera. Mas soube-me pela vida”. Afinal seria uma chapada de luva branca a todos os críticos que desvalorizam a música de Cid, chamando-a de “popularuxa”.
Um artista que ainda tem sede
Por incrível que pareça, mesmo depois dos 80, o artista continua com sede. Em 2021 lançou mais um álbum “Vozes do Além”. Neste álbum foca-se mais uma vez na inquietude sobre a vida e a morte, reflexões existenciais entre guitarras e sintetizadores.
E ele continua… Com concertos por Portugal e estrangeiro. Mesmo todos os dias a aparecerem artistas novos, muitos deles empurrados pelas promotoras e editoras para os grandes palcos, o povo português continua a sentir-se representado pelos temas clássicos de José Cid.
Com 82 anos, continua a ter espetáculos um pouco por todo o país, com a mesma energia de sempre. Ele o seu piano, e uma alma infindável que continua a encher salas sem comparação.
Um legado que resiste (e inspira)
Ele já ganhou um grammy, já ganhou o Festival da Canção e continua a ganhara confiança dos portugueses, porque hoje em dia existem poucos artistas nacionais no activo com tantos sucessos na música portuguesa como José Cid. E isso é o melhor legado que o artista poderá deixar.